
A menina brincava absorta. Não via o mundo ao redor. Os adultos e outras crianças entretidas com seus familiares. Ela brincava em meio ao mundo e estava só. Era apenas ela e a sua fantasia.
A brincadeira era com a sua própria sombra. O sol da uma da tarde, intenso clarão, tornando as sombras bem definidas. O recorte no telhado projetava um retângulo de luz no chão. Era uma tela em branco.
Com o próprio corpo ela entrava e saía da tela, de seus extremos laterais. Ora projetava seus minúsculos membros, ora todo o corpo cabia no caixote de luz.
Saltava de um lado para o outro vendo a sombra desenhar a pincelada ágil de seus movimentos. Era uma arte cinética. Transitória. Performática. Tão efêmera quanto o instante.
Ouviam-se os risos dela. Seus monólogos diante da surpresa a cada nova sombra. Na exploração alegre do corpo possível, suas formas alongadas, diminutas, parciais.
Ria-se de ser somente uma perna, de ser uma metade, um emaranhado de traços brincantes.
Ria-se de ser uma abstração.
Texto de Denise Patrício extraído do livro "Retratos do Mundo Flutuante" - disponível na loja.
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